Restrições que Marcam o Fim de Uma Era
Durante mais de um século, os cidadãos canadenses da cidade de Stanstead, em Quebec, puderam acessar a Biblioteca Pública Haskell, localizada em Derby Line, Vermont, sem a necessidade de passar por controles aduaneiros. No entanto, em março, o governo de Donald Trump decidiu revogar essa possibilidade, alegando a necessidade de garantir ‘segurança fronteiriça total’.
A decisão, segundo Sylvie Boudreau, presidente do conselho diretor da biblioteca, representa o fim de uma era. ‘Quando o anúncio foi feito, houve muita indignação dos dois lados’, declarou à AFP, referindo-se à linha que divide, de forma quase imperceptível, os dois países dentro do edifício da biblioteca.
O acesso facilitado à biblioteca já havia sido impactado por um endurecimento nas regras de fronteira após os ataques de 11 de setembro de 2001 e, mais recentemente, pelas restrições relacionadas à pandemia de covid-19. No entanto, a ação da administração Trump extinguiu um acordo que simbolizava a união entre os dois países em uma comunidade de apenas 2.800 habitantes.
Impacto na Comunidade Fronteiriça
Como resultado da nova medida, o Serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos (CBP) proibiu os canadenses de cruzar o trecho mínimo de território americano que leva à biblioteca. Segundo as autoridades, essa decisão foi motivada por um ‘aumento contínuo de atividades ilícitas transfronteiriças’.
Jonas Horsky, um franco-americano de 41 anos que frequenta a biblioteca por conta de seu acervo bilíngue, expressa sua nostalgia em relação à mudança. ‘Sempre estivemos unidos, sempre nos visitamos, mas agora precisamos levar os passaportes conosco. Antes, isso não era necessário’, lamenta.
Erica Masotto, funcionária do Stanstead College, um internato de língua inglesa, também compartilha seu descontentamento. Para ela, entrar pela antiga saída de emergência da biblioteca é ‘estranho’. ‘A porta parece diferente quando se cruza. Esse é o símbolo da situação, na verdade’, comentou, questionando o aumento da desconfiança entre as fronteiras.
Tensões nas Relações Bilaterais
A mudança no acesso à biblioteca ocorre em um contexto mais amplo de deterioração nas relações entre Estados Unidos e Canadá. Desde sua volta ao cargo em janeiro, Donald Trump não hesitou em adotar posturas hostis, incluindo a ameaça de anexar o Canadá e o início de uma guerra comercial.
Em julho, uma decisão abrupta interrompeu as negociações comerciais entre as duas nações, levando o primeiro-ministro canadense, Mark Carney, a afirmar: ‘Nossa relação com os Estados Unidos nunca mais será a mesma’. Tais tensões políticas têm efeitos diretos na vida cotidiana da população.
Em junho, a Agência de Estatísticas do Canadá já havia notado uma ‘mudança notável’ nos padrões de viagem dos canadenses, com uma ‘redução significativa’ no número de visitas ao território americano. Marc Samson, um aposentado que aguardava a esposa, funcionária da Biblioteca Haskell, confirma essa tendência. ‘Já não vamos aos Estados Unidos’, afirmou, embora o país esteja logo ali.
Expectativas de Retorno à Normalidade
Apesar da nova realidade imposta, os moradores da região fronteiriça permanecem esperançosos de que essa ruptura seja temporária. ‘Imagino que, se o governo mudar do outro lado da fronteira, tudo volte ao normal’, conclui Samson. Essa crença reflete um desejo persistente de que as relações entre os dois países possam voltar à normalidade, mantendo viva a essência comunitária que sempre uniu os habitantes da região.

 
									 
					 

